quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DO SÂNSCRITO

Qualquer pessoa que tenha um contato, ainda que breve, com o sânscrito, dificilmente deixará de se render à sua elaborada estrutura ou reconhecer sua importância.
Por sua comprovada antiguidade (os hinos védicos são considerados, por muitos, mais antigos do que os primeiros textos gregos), o sânscrito é bastante valorizado por estudiosos de linguística que vêem nele um referencial comparativo para o estudo de outras línguas.
Seu maior valor, entretanto, é conferido pelo fato de ser a chave para a cultura tradicional da Índia, abrangendo seus sistemas de medicina, matemática, engenharia, agricultura, dentre outros, e, especialmente, sua literatura religiosa, sendo utilizada até dos dias atuais por devotos que mantém essa tradição secular, usando-a nas celebrações de rituais religiosos e na recitação de mantras.
Como o nome “samskrtam” etimologicamente sugere, o sânscrito é uma língua “elaborada”, “muito bem feita”. Sua mais antiga gramática, compilada por Panini, é incrivelmente sucinta e completa. Possui 4.000 regras enunciadas em sutras de uma brevidade surpreendente que, no entanto, descreve a língua em todos os seus detalhes de estrutura.
O sânscrito, nos seus primórdios, provavelmente era meio natural de comunicação, sujeito às naturais modificações que ocorrem no decurso do tempo ou em virtude de diferentes usos regionais. O impulso de preservar intactos os textos sagrados e de por um fim às variações que se sucedem em uma língua em desenvolvimento é que levou Panini a regulamentar a gramática do sânscrito.



Entrar em contato direto com esses textos, escritos em sânscrito clássico, é o que motiva a maioria das pessoas a se empenharem em seu estudo. Os próprios textos de Vedanta apontam a gramática como uma vedanga (braço de estudo dos Vedas). Juntamente com ciências como a etimologia, a a poética, a fonologia, a astronomia e a ritualística, o estudo da gramática aparece como meio indicado para se obter maior qualificação da mente para o Conhecimento do Ser. Isto porque seu estudo requer concentração e análise: o estudante tem que prestar atenção nas condições enunciadas pelas regras, na relação existente entre elas, e tem que aplicá-las em sucessão.
Sendo Vedanta uma sabda pramana, ou seja, um meio de conhecimento em forma de palavras, a palavra em si adquire um valor fundamental. É evidente que o essencial para a obtenção desse Conhecimento é ouvi-lo de quem esteja capacitado a ensiná-lo, independente da língua utilizada, já que é universal e atemporal. Por outro lado, conhecer a língua em que os textos em questão são escritos auxilia na apreciação de certas nuances de ideias, que nem sempre encontram equivalência completa em outras línguas. Ainda que um conceito específico possa sempre ser explicado por uma série de palavras que o descrevam, lidar diretamente com a terminologia usada na língua original traz, sem dúvida, muito mais clareza e especificidade aos significados que se quer passar.
A singularidade do sânscrito pode ser admirada no fato de que as milhões de palavras de seu vocabulário derivam-se de um conjunto de apenas 2.200 raízes, elementos básicos constituintes da palavra. Por exemplo, deha vem da raiz dih, “untar, ungir” (=aquilo que é ungido) e sarira é formada da raiz sr, “decair, jogar fora (=aquilo que perece). Ambas as palavras significam “corpo”, apesar de cada uma revelar diferentes aspectos do objeto que representam – um significado mais intrínseco, que pode ser usado em outros vários contextos, dependendo da imaginação do autor. Todas as palavras são formadas a partir desse grupo de raízes pela adição ordenada de prefixos e sufixos segundo regras bem definidas.
Tambem alguns processos gramaticais observados no sânscrito são únicos, não encontrando equivalência em outras línguas. É o caso da construção de uma voz passiva com verbos intransitivos, o que permite que uma sentença na voz ativa, do tipo “o rio flui”, seja expressa na voz passiva, obtendo-se então a construção abstrata “pelo rio é fluído” ou ainda “fluir é feito pelo rio”, formas nada usuais em nossa língua.
Outra peculiaridade: não se encontra no sânscrito um verbo que traduza a ideia de posse. A sentença “Rama tem um arco” é normalmente expressa pelo uso do 6º. caso (genitivo) denotando o possuidor, acompanhado de uma forma subentendida do verbo ser: “o arco de Rama (é)”.
Enfim, todas essas considerações apenas demonstram as vantagens de se conhecer uma língua para se entender de forma mais abrangente ideias e conceitos por ela expressos. Tudo isso, aliado à sua beleza e à riqueza de sua estrutura fazem do sânscrito uma língua fascinante.
A classificação ordenada dos fonemas com permanente correspondência única e recíproca entre o som falado e o símbolo gráfico que o representa; as regras de combinação fonética (sandhi) que garantem sempre uma sonoridade harmônica quando os elementos constituintes de uma palavra se unem para formá-la ou mesmo quando se unem duas ou mais palavras numa frase; o sistema de declinação que confere a cada palavra, pela terminação utilizada, diferentes funções sintáticas na frase; enfim, a extraordinária flexibilidade da língua permite o agrupamento de palavras, numa variedade insuspeita de compostos, proporcionando ao sânscrito sua densidade, concisão, sutileza e poder característicos ... É esse potencial expressivo que estimula o estudante a cada vez mais aprofundar seu conhecimento nessa língua e literatura tão ricas.

João Carlos Morgado

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