SATSANGA
COM SWAMI DAYANANDA - dezembro 1993
Pergunta: Swamiji, qual é o sentido da vida?
Swamiji:
Se você toma a palavra "sentido" como sendo "objetivo", o
sentido da vida, certamente, não pode ser a morte. Se a morte é o sentido da
vida, então, evidentemente, não preciso nascer - o objetivo sendo a minha
ausência. Se me encontrava ausente antes de nascer, não preciso nascer para não
existir. Assim, não posso dizer que a morte seja o objetivo da vida.
Nem
posso dizer que outra coisa mais do que a própria vida seja o objetivo da vida.
Por conseguinte, o seu sentido ou objetivo tem de ser encontrado dentro da
própria vida. Eu diria que o objetivo da vida é apenas viver. A morte acontece,
mas não é o objetivo da vida. E, desde que o sentido da vida é viver, a pergunta
seguinte passa a ser "o que é viver?".
Não
posso dizer que estou vivo quando não estou vivo para a realidade da vida. Não
estar vivo para a realidade da vida é sonhar, viver uma vida de sonhos, falsa,
o que significa não viver. Por essa razão o sentido da existência deve ser
viver uma vida verdadeira. Viver é o sentido. Viver implica em uma vida com
significado; de apego à verdade, uma vida onde as realidades são confrontadas.
Estar
vivo, então, é estar vivo quanto às realidades da vida, às realidades de minhas
buscas e de minhas lutas. Quão desejáveis são os objetivos que procuro atingir?
Até que ponto serão capazes de prover o que desejo? Será que me farão uma
pessoa feliz e realizada? Para que eu possa estar vivo para essas realidades,
os objetivos que busco devem ser examinados e entendidos apropriadamente.
Devo
também considerar a pessoa que está lutando - eu. Quão válido é lutar? Lutar
implica uma pessoa insatisfeita, uma pessoa insatisfeita consigo mesma. Quão
válida é essa auto-insatisfação? Com o
que eu não estou satisfeito? Estou insatisfeito com o meu físico? Com a
capacidade intelectual de meus pais? Estou insatisfeito com a minha
competência? Estou insatisfeito com a minha mente, minha capacidade de pensar,
minha memória e minhas emoções? Com o que não estou satisfeito? Se existe uma
auto-insatisfação, tudo isso deve ser examinado.
Se
essas realidades não são examinadas e eu busco satisfação, a minha busca não
tem sentido. Essas perguntas cruciais devem ser respondidas para que possamos
encontrar o sentido da vida. Devo ter um domínio sobre essas realidades. E se
eu não estou satisfeito comigo mesmo, se todos esses fatores, ou mesmo alguns
deles, que me constituem, não são considerados satisfatórios, como posso
remediar essa situação? Será que os vários objetivos que busco me ajudarão?
Terei eu, até mesmo, algum objetivo capaz de alterar a situação?
Mesmo
se estivermos insatisfeitos com o nosso corpo e sua aparência, ou com nossa
mente, nós não despendemos todo o nosso tempo tentando mudá-los. Isto porque
também aspiramos a muitos outros fins na vida, tais como poder ou dinheiro,
fama, influência e controle. Podemos esperar a mudança de nosso corpo ou mente
através de alguns desses objetivos? Eu penso que não. Até agora ninguém
realizou tal coisa.
Suponha
que você tente mudar seu corpo, como irá fazê-lo? E mesmo que consiga fazê-lo,
por quanto tempo irá conservá-lo? Tais objetivos são sem sentido. Você não pode
esperar mudar o seu corpo para sempre, porque ele tem suas intrínsecas
limitações. Por conseguinte, ninguém vai, satisfatoriamente, mudar o seu corpo.
O que
significa mudar a mente? É com a mente que estou insatisfeito? O problema é que
me encontro insatisfeito comigo mesmo, não com o corpo ou com a mente. Se eu
sou o corpo e a mente, então não há uma maneira efetiva de mudá-los. E se eu
sou muito mais do que o corpo e a mente e estou insatisfeito comigo mesmo,
então devo examinar minuciosamente o que é esse ser.
Porque
as realidades envolvem aquele que com elas lida - eu, devo, em primeiro lugar,
ter um comando sobre a realidade que me diz respeito. Tudo o mais vem depois e
tomará conta de si mesmo. Devemos também entender as realidades do mundo, mas o
sentido da vida começa comigo. Não vejo
nenhum outro sentido. Nascer como uma criança significa que meu corpo está
incompleto, ainda não desenvolvido. Assim como um botão tem de florescer, o
corpo de um bebê tem que se tornar adulto. Por essa razão, o sentido da vida
pode ser apenas viver - crescer. A vida continua, mas primeiramente, como um
ser humano com um corpo de criança, tenho que fisicamente me tornar um adulto.
E desde que tenho uma mente pensante, eu deveria presumivelmente ter uma certa
disciplina para aprender - o que também é crescimento. Consequentemente o
crescimento em si mesmo seria o sentido da vida.
Uma vez
que eu tenha crescido fisicamente, sou considerado um adulto. Entretanto, há
uma outra área de crescimento denominada crescimento interior, crescimento
emocional ou crescimento moral, que está centrada em minha vontade. Este
crescimento, também, é o sentido da vida. Tenho que crescer até atingir a minha
realização. O sentido da vida, portanto, é tornar-se um ser humano pleno e
completo.
Obviamente,
maturidade implica na estima de nós mesmos e do mundo. Se nos sentimos perseguidos
pelo mundo, esse senso de perseguição vem ou de nós mesmos ou do mundo externo.
Se o mundo não me oprime mais do que a outrem qualquer e, ainda assim, me sinto
perseguido, então eu deveria saber que o sentimento de perseguição vem de mim
mesmo.
Conquanto
essa condição possa ser chamada de doença mental, eu a chamo de imaturidade
emocional porque o problema é próprio de uma criança, ainda que a pessoa com o
problema tenha um corpo de adulto e, até certo grau, uma mente adulta. As
situações vividas por essas pessoas são, todas,
condizentes com a fase adulta. Ela não é mais protegida por seus pais,
nem é mais necessário este tipo de proteção. A pessoa, fisicamente,
biologicamente, é um adulto. Pode já ter se casado, ser pai/mãe ou avô/avó.
Mesmo assim a criança de seu interior
ainda parece ter uma influência sobre a pessoa, governando seu
comportamento e reações frente ao mundo.
O que
estou dizendo é que algo que aconteceu a essa pessoa, quando criança, não foi
trabalhado. A percepcão infantil é inevitável. O problema é comum a todos, não
há exceções. Durante o seu desenvolvimento a criança descobre um ego. No
segundo ano de sua vida, esse ego é absoluto. É por isso que o segundo ano de
vida de uma criança é às vezes chamado como o "Terrível Dois" (em
inglês, "Terrible Two"). No
terceiro ano, porém, a criança descobre outros egos, algo que é também muito
humilhante e submisso.
Como
criança, você constata que sua mãe tem seu próprio ego e seu pai, o dele. Todos
à sua volta têm um ego e quando você vai para a escola, está cercado por nada
mais que egos - cada um dos quais você considera bastante desconcertantes, pois
você acaba de sair de um ego absoluto. Um ego absoluto é como o ego do Senhor.
Partindo desse ego, você se encontra em um estado onde reconhece todos esses
egos - sem ter nenhum dado para lidar com eles.
A
descoberta de todas essas mentes e idéias conflitantes é um estágio muito
confuso de seu desenvolvmento. Existe também um natural temor. Você se sente
ameaçado por todos que o rodeiam por serem todos tão grandes. Você se admira,
como se admirou o jovem escolar em "Village Schoolmaster", de
Goldsmith, que tanto material pudesse sair da cabeça tão pequena do professor.
Este é exatamente o ponto de vista de uma criança quando se confronta com os
gigantes do mundo, todos eles parecendo saber tanto.
A
criança não sabe que essas pessoas são igualmente confusas. Ela julga que todos
são o máximo em tudo e os respeita a todos, ainda que eles, também, tenham de
lidar com os seus próprios problemas da infância. Caso não os tenham
trabalhado, carregam necessariamente dento de si uma criança. Um pai de uma
criança carrega sua própria criança, o mesmo ocorrendo com a mãe da criança.
Consequentemente, cada um é, ao mesmo tempo, uma criança e um adulto. Essa pessoa
criança-adulta está presente em toda sociedade.
Em tal
sociedade, há naturalmente prováveis situações conflitantes e a criança tem que
lidar com todas elas. Baseada nessas situações, ela aprende a confiar deveras
no mundo ou, definitivamente, a não confiar. Uma criança que muito confia pode
ser abusada por outro, ao passo que uma criança que não confia no mundo vai
pensar: "O mundo está sempre lá fora para me pegar". Esta resposta
conduz a problemas que os psicólogos chamam de distúrbios de caráter.
Um
problema comum é o sentimento de culpa. Uma criança cujos pais brigam todo o
tempo pode pensar que é a responsável e sentir-se culpada. Tais conflitos criam
uma baixa auto-estima e levam a uma espécie de neurose, um problema psicológico
que todos, em certo grau, têm. Essa desordem continua pela vida afora,
arruinando também a percepção do adulto.
Quando
você vai tratar dessa desordem? A menos que olhe para você mesmo, como irá
lidar com isso? Eis aqui onde entra a maturidade emocional. Você pode resolver
problemas de infância através do entendimento de todo o processo, reconhecendo
tudo que aconteceu e observando o passado que foi enterrado. Você apenas aceita
o que aconteceu antes, bom ou ruim. Tratar de problemas que existem, referentes
ao passado, é ter uma certa maturidade. É um modo maduro de ver-se a si mesmo.
Então,
mais uma vez, você olha o mundo do mesmo modo. De fato, se você pode
simplesmente aceitar seu próprio passado, então lhe será mais fácil aceitar
também o mundo. O mundo pode apenas existir. O modo maduro de olhá-lo é não
desejar o seu controle. Nem você pode controlá-lo. Se você quer controlar o
mundo, mas é incapaz, você se sente controlado. Você pode agir no mundo, mas
não pode ter sobre ele um controle absoluto. Um dos traços mais predominantes
nas pessoas é este: a tentativa de controlar de várias formas o mundo. Isto é o
que chamamos de imaturidade. Que controle você tem? Não tem nenhum; pode apenas
acomodar as coisas, entender e fazer o que puder. Certos poderes podem lhe ter
sido dados para fazer alguma coisa: compreender, organizar, reorganizar e
reunir tudo. Todo mundo tem certos poderes, e com esses, você faz o melhor que
pode.
Aceitação
não é meramente engolir tudo; é a aceitação de uma dada situação como ela é,
fazendo o que é apropriado àquela situação. Assim, agir é ganhar uma maturidade
que é a maioridade emocional. Esta maturidade pode ser estendida mais adiante,
incluindo um modo maduro de entender os valores, com referência à nossa
interação com o mundo.
Começar
a fazer perguntas tais como: "Porque não tenho nenhum controle ?",
pode também conduzir a uma apreciação de Isvara,
o Senhor. Não precisamos subordinar essa apreciação à maturidade, mas pode ser
visto também dessa maneira; nessa aceitação de Isvara reside um outro aspecto de um modo de viver maduro. Aceito Isvara, o Senhor, porque não tenho
nenhum controle. Quando não tenho nenhum controle, então aprecio Isvara. Pode haver, por essa razão, uma
certa entrega com referência ao que aconteceu no passado e ao que acontecerá no
futuro. E faço o que posso. Se há uma apreciação de Isvara, há uma ordem, há um sentido na vida. As coisas estão acontecendo e, por conseguinte, aceito o que vem para mim e
faço o que é para ser feito.
Eu
questiono essa apreciação de Isvara
sob o aspecto de karmayoga, o que
pode ser considerado como uma vida religiosa, que é também parte do viver-se
com maturidade, desde que, naturalmente, a religião seja apropriadamente
entendida. Isvara é para ser
entendido apropriadamente e, na medida que temos esse entendimento, está a
nossa maturidade.
Maturidade
emocional implica em um entendimento das estruturas dos valores e prioridades.
Nossas priorodades devem ficar muito claras em referência aos valores. Há
valores universais e há outros determinados valores, tais como um valor pelo
dinheiro, pelo poder, nome, influência ou controle, que são valores mas não
são, necessariamente, universais.
Uma
pessoa pode ser feliz sem dinheiro, por exemplo, ao passo que valores como
falar a verdade e não ferir os outros são valores universais. Há uma série de
outros valores universais, como não roubar, compaixão, amizade e servir ao
próximo. Estes são, todos, valores que respeitamos com referência ao
comportamento dos outros.
Quero
que todos sejam amistosos comigo, não representando nenhuma ameaça para mim,
ajudando-me quando necessário e dizendo-me somente a verdade. Quero que ninguém
me roube ou minta para mim. Tudo isso eu valorizo, significando que sou limpo
de caráter, absolutamente ético no que diz respeito ao comportamento das outras
pessoas. Nisso sou absoluto. ( Entretanto, quanto ao meu próprio comportamento,
tenho alguns problemas). Sei que você também espera de mim o mesmo
procedimento. Isto significa que tenho valores, ainda que eles possam não ser
propriamente entendidos.
O valor
dos valores geralmente não é entendido. Os valores são conhecidos por mim. Sei
o que são, mas o valor de cada um dos valores não foi assimilado. No que se
refere ao valor dos valores, preciso ser educado. Ou eu mesmo me educo, ou
torno-me educado com a ajuda de alguém.
Se
alguém lhe diz para falar a verdade, a coisa torna-se bem semelhante a um
sermão. Você sabe bem que deveria falar a verdade. Do mesmo modo ninguém
precisa dizer-lhe que não roube. Isto você também sabe muito bem. Não é necessário
que ninguém lhe diga para não roubar, porque você também não deseja que a sua
propriedade seja roubada por ninguem. Dessa forma, todos esses valores
universais são conhecidos por você. O pregador de valores é portanto imaturo e
aquele que o escuta, acenando afirmativamente sua cabeça, naturalmente, também
o é.
Porque
eu não deveria roubar? Qual é o exato valor do não-furtar? Quando roubo ou firo
alguém, como sou realmente afetado? Perco alguma coisa? Somente se eu tiver
algo a perder, existirá um valor, caso contrário, não. Para que alguma coisa
seja um valor, a sua não observância por mim deve, irrevogavelmente, me
conduzir a uma perda. A compreensão da imensidade de minha perda, quando me
coloco contra um valor, é que me torna maduro.
Na
medida em que aprecio a minha perda, me torno maduro, o que implica educação.
Tenho de conhecer o valor dos valores acidentais, como dinheiro, poder, etc.
Por estarem estes outros valores muito bem assimilados, terei problemas de
prioridade em termos de quais valores a serem seguidos por mim.
Por
exemplo, devo falar a verdade e perder o dinheiro que ganharia recorrendo a uma
mentira? Ou devo, para ter o dinheiro, lançar mão da mentira? Obviamente, tenho
um conflito a respeito de como agir e, sem dúvida alguma, farei aquilo que para
mim for de maior valor. Se para mim o dinheiro representar mais do que a
verdade, então a educação do valor não ocorreu.
Se analisarmos esse problema prioritário particular,
encontraremos novamente uma falta de maturidade. Em termos de valores e
gerenciamento emocional, existe imaturidade. No que você começa a lidar com
esse problema, ocorre um amadurecimento, uma tentativa de amadurecer. De outra
forma, você permanece imaturo, ainda que atinja os noventa ou cem anos.