A
FORMA E O ESPÍRITO DA TRADIÇÃO VÉDICA
Por Swami Dayananda
Saraswati
O conflito entre as necessidades atuais de uma sociedade e
certas tradições legadas a esta mesma sociedade, é um problema permanente. O
quanto nós temos de eliminar e o quanto deve ser conservado é sempre um
problema. Em qualquer sociedade, seja ela uma cultura ocidental, européia, ou
na cultura de uma vila Indiana, este problema estará sempre presente. E o que
nós em geral constatamos, é que o que nós eliminamos é a forma. O significado
nós não podemos eliminar.
Por exemplo, quando você cumprimentava uma outra pessoa à
alguns anos atrás neste país, eu suponho que você não fosse dizer, “Oi.”. Era
provavelmente “Como vai você?” a maneira de se cumprimentar uma outra pessoa.
Este “Oi!” é uma forma nova. Isto não tem nada a ver com a forma original “Como vai você?” Mas há uma certa atitude
neste “Oi.” Há uma afetividade, uma
certa acolhida e reconhecimento da sua presença. E há uma alegria manifesta, eu
lhe encontro e estou feliz. E por isso
eu digo, “Oi.” Neste “Oi” o significado é o mesmo quando você diz “Oba!” ou
quando você diz: “Como vai você?” Ao passo que a forma, uma simples forma,
segue se transformando.
Na mudança da forma, o quanto nós devemos mudar? O quanto devemos conservar? Nas cidades por
exemplo, com tantas pessoas lá vivendo, várias formas mudaram. A antiga maneira
de se viver já não existe mais. Naturalmente nós precisamos mudar as formas. E
agindo assim, nós deixamos para trás uma série de coisas. Nós temos empregado
várias formas e isto irá continuar. Mas no processo, algumas vezes a forma muda
tanto que o próprio significado, o
espírito se perde. E sem uma forma, o espírito também não é reconhecido.
Quando o corpo está morto, a alma que estava ocupando aquela
moradia específica denominada corpo físico foi-se embora. E aquele corpo já não
mais é um corpo apreciável. O que é deixado é para ser enterrado. O espírito
desapareceu, e uma forma sem espírito é uma carcaça. De maneira semelhante, nós
temos formas religiosas que são carcaças mortas, pois já não há nenhum espírito instilado nelas. Se a forma
em si mesma não está presente, o significado se perde, e se o significado não
estiver presente, a forma está morta.
Portanto, você precisa necessariamente ter uma forma junto
com o espírito, e o espírito nunca deve
mudar. Isto é que é o espírito. Um espírito que se transforme não é de fato o
espírito. Qualquer coisa que tenha como base um fato eterno, eterno, deve ser
um espírito que permaneça. Aquele espírito somente permanece, enquanto as
formas seguem se transformando.
Antigamente os swamis nunca
deixavam o país. Hindus nunca deixavam sua terra. Nos tempos antigos, devido a
sua própria cultura religiosa e suas rotinas diárias, eles pensavam que
atravessar o oceano era algo inaceitável. Atravessar o oceano não é problema
para mim. Eu cruzo o oceano. Na verdade, eu não cruzo propriamente o oceano, eu
apenas me movo pelo céu. Abaixo, calha de estar o oceano. O que posso fazer? Os
tempos mudaram e viajar agora também é diferente. Estas são as coisas que devem
mudar. Irão mudar. Gostemos ou não, elas irão mudar. E você vê que as pessoas
também mudam, embora lentamente. Se os ortodoxos, entretanto, mudarem muito
lentamente, as pessoas os deixarão para trás.
As pessoas são dinâmicas. De fato, a nossa cultura diz isso.
Certas coisas sempre mudam. Portanto, qualquer que seja a dúvida sobre se uma
mudança é válida ou não, o melhor que você faz é consultar uma pessoa que seja
bem informada e bem enraizada na tradição. O Veda diz que qualquer que seja a dúvida sobre a sua conduta em uma
determinada situação, como, “Estou
abandonando a minha tradição? Estou cedendo demais?”, siga por favor uma pessoa
informada, que conheça bem a sua tradição. O que ele fizer, siga. E se ele não estiver na mesma situação que
você, siga o que ele disser. Mas certifique-se de que a pessoa a quem você
segue seja imparcial, que não lhe dê um conselho do qual ele mesmo seja o beneficiário.
Se este for o caso, não siga seus conselhos. Aqueles que estão comprometidos
com o dharma,
que conhecem o dharma, são as pessoas a quem você deve seguir. Você pode até
mesmo segui-las cegamente. Com o tempo você compreenderá.
E portanto, mudar é importante, mas ao mesmo tempo, você
deve se certificar de que a mudança não destrua o espírito. Um americano me
perguntou a algum tempo, “Swamiji, o que é respeito?” Eu não sabia o
que lhe dizer-lhe. O que é respeito? Levantar-se, quando chega alguém, respeito
é isto? É algo que cresce com você, pelo qual você precisa ter uma forma.
Na Índia, mostramos respeito através de algumas formas.
Pelos mais velhos, nós mostramos respeito. Como você pode mostrar o seu
respeito? Quando uma pessoa mais velha se aproxima, você levanta. Isto é apenas
uma forma. Respeito é o espírito. A forma é se levantar. Se você abandona todas
as formas, onde estará o respeito? Abandonando “Oi”, onde está a afetividade?
Se você abandona a forma de apertar as mãos, onde estará a amizade? Ela também
irá desaparecer. Se o espírito estiver
presente, a forma parece não ser necessária.
Mas eu afirmo que, se a forma não estiver presente, o espírito morrerá.
Morrerá completamente. E se a forma somente estiver presente, também o
significado precisará ser instilado, como vem sendo em nossos templos na
América do Norte.
Nós agora temos formas. Elas são necessárias. Sem uma forma
não pode haver espírito. Você precisa de um templo, um lugar que mantenha a
forma da religião. Mas eu lhe digo que esta forma se tornará obsoleta. As
crianças não irão saber do que tratam todas estas formas abençoadas, e por que
elas devem se levantar e fazer arati,
etc. Elas vêem formas alternativa e
haverá definitivamente escolha. Eles querem saber as razões da sua escolha e
você não pode explicar.
Portanto, se o espírito não estiver presente, a forma
morrerá. Todos estes templos não terão visitantes nas próximas gerações. Quem
irá a estes templos, se você não instilar o espírito? Em uma forma de devoção
há o espírito. A forma é necessária, mas ao mesmo tempo às vezes é uma forma
resumida, uma forma que seja prática. Uma forma que seja baseada em um
pragmatismo estará sempre presente em todas as sociedades. Existindo uma forma,
entretanto, nela você precisa instilar o espírito. De outra forma ela será uma
forma morta, que não será de nenhuma utilidade. Portanto,o significado é
importante. E na forma você pode instilar o significado
Para saber que existe um Senhor, o nosso buddhi, intelecto, é suficiente. É como
uma lâmpada de óleo. Para ser um astika,
uma pessoa que acredita, você tem luz suficiente para saber que existe um Isvara. Para saber o que é aquele Isvara, o que é aquele Senhor, você
precisa de uma luz melhor, que é aquela da queima da cânfora. Quando o
sacerdote executa a arati ele sempre lhe diz para ter darshan, a visão. Então, dos pés até a
cabeça do Senhor, ele mostrará a cânfora queimando-se. Então você vê toda a
forma. Já não é mais apenas uma crença. É claro como a luz do dia –
conhecimento. O que era uma simples crença se converte em uma chama de
conhecimento, em uma luz de conhecimento. Este é o espírito. Você precisa
instilar o significado, do contrário, a forma não tem sentido. A cânfora é
usada por ser uma substância que se volatiliza completamente. Quando queimada,
nada é deixado para trás. E, de maneira similar, quando eu me coloco diante do
Senhor, aquele conhecimento do Senhor consome a própria pessoa ignorante em
mim. Então tudo o que existe é ananda,
uma chama de conhecimento somente. E aquele conhecimento deverá também ser
total, deve ser completo, não deixando nenhuma ignorância residual ou noção
errônea. Por isso queimamos cânfora.
O ensinamento que estamos desdobrando aqui (neste centro de
estudo chamado Arsha Vidya Gurukulam) é o que necessário pois é o ensinamento
que deposita o espírito em cada forma. E somente entendendo o significado por
detrás da forma que esta torna-se significativa. De outra maneira é uma forma
morta.
A religião Hindu não
é organizada. Esta é a maior virtude desta tradição. Meu pai era a organização.
Minha mãe era a organização. Eles me deram o que possuo. Você possui o que seus
pais lhe deram. Não há profecia, não há papado. Nós não temos coisas assim.
Isto significa que a nossa responsabilidade é maior. Você não poderá dizer que
“a organização irá cuidar disso”. Não temos este argumento. E você não pode
mudar o caráter de uma cultura, de uma religião da noite para o dia. Isto não é
possível. E se nós mudarmos para uma organização hierárquica, torna-se poder. É necessário, porém, haver
uma forma organizada de transmitir esta mensagem; o que já é uma coisa
diferente. Mas o espírito está sempre sendo transmitido de pessoa a pessoa. E
assim, este gurukula será uma
instituição a perpetuar esta tradição, de forma a reter o espírito, assim como
a forma editada. Lembre-se, a forma editada. De tempos em tempos, a pessoa que
ensina precisa estar apta a editar a forma. É assim que a religião Hindu vem
sendo preservada até hoje e é assim que ela continuará a ser preservada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário