sexta-feira, 22 de maio de 2015

Sri Shankara

Sri Shankara

por Sri Swami Dayananda


No Guru Stotram que cantamos, o guru é reverenciado na forma daquilo mesmo (vastu) que ele ensina:

akhandamandalakaram vyaptam yena caracaram

tatpadam darsitam yena tasmai srigurave namah


“Saudações àquele guru que me mostrou onde está
aquele que é para ser conhecido, cuja forma é a
do universo inteiro, e que permeia tudo o que
se move ou que não se move.”

gurubrahma guruvishnuh gurudevo mahesvarah

gurureva param Brahma tasmai sriguraqve namah


“Saudações àquele guru que é o criador,
aquele que sustenta, e o destruidor e aquele que é
verdadeiramente, o ilimitado Brahman.”




Sri Dakshinamurti com os rishis e Sri Shankara com seus 4 discípulos






Sankara como Isvara

Falar sobre Sankara é desdobrar o que é Isvara, o Senhor. Nós não vemos Sankara como um indivíduo. Na verdade, nós não vemos nenhum mestre como um indivíduo. Mas, se ele é visto como Deus, como pode haver Jayanti (a celebração de seu aniversário)?

Consideremos o Senhor (Isvara) na forma de uma encarnação (avatara) tal como Rama e Krsna. As encarnações vieram em determinado tempo. Elas estão ainda disponíveis para serem reverenciadas como sendo o Senhor. Cada forma é, sem dúvida, a forma do Senhor. Mas o Senhor na forma de Krsna é alguém com quem eu posso me relacionar e aos pés de quem eu posso oferecer minha devoção. Na Bhagavadgita, quando Krsna usa a primeira pessoa do singular, é apenas no sentido de ser ele o Senhor. O Senhor que é ilimitado (vastu), tomando esta forma se torna uma encarnação. Do ponto de vista da forma, existe uma data de nascimento – e um aniversário. É por isto que celebramos Rama Navami e Krsna Jayanti, e Sankara Jayanti.

Um guru é sempre visto como aquilo que ele ensina. Esta é a diferença entre o que Sankara ensinou e o que outros professores ensinam. Se um professor ensina que o Senhor é o Senhor, que o mundo é o mundo, e que você é o que você é, o que isto faará você sentir? Antes que você fosse até aquele professor, você já pensava que fosse assim. Depois de ouvir o professor ensinar as Upanisads, você volta com os mesmos sentimentos! Você vai concluir, com certeza, que o professor não pode ser o vastu, pois ele ensina que o vastu é diferente de você e dele.

Sankara como Upadhi Visesa


Existem muitas pessoas iluminadas no mundo, além de Vyasa, que compilou todos os Vedas e escreveu o Brahma Sutra, e Sankara, que tornou o conhecimento disponível para as pessoas comuns. Por que, então, nós reverenciamos apenas Vyasa e Sankara, e não  outros? Existem outros professores ensinando que “Você não é separado do vastu”, o que há, portanto, de tão especial em Vyasa e Sankara? Eles são lembrados porque fizeram uma significativa contribuição para as gerações futuras. São, por isto, pessoas muito especiais. Isto é upadhi vivesa.

Upadhi vivesa pode também significar que aquela pessoa, em particular, tem alguma característica especial, ou que aquela pessoa tem uma capacidade que é miraculosa. A tradição hindu não dá grande valor a milagres. Demônios (asuras), assim como deuses (devas) tinham poderes miraculosos. Os demônios eram capazes de viajar no escuro (nisacaras) e capazes de voar (khecaras). Isto também é chamado upadhi visesa, mas não é isto que lhes faz merecedores de respeito. 

Pessoas de conhecimento medíocre podem avaliar um homem como sendo um grande homem apenas por sua capacidade de operar milagres. Alguns irão enaltecer a estória de Sankara compondo o Kanakadhara Stotra, que fêz cair uma chuva de moedas de ouro sobre uma mulher pobre que lhe deu uma amora quando ele foi à sua casa pedir esmola. Mas quando veneramos Sankara, não é por causa desses milagres. Em um verso simples que recitamos freqüentemente em homenagem a Sankara é descrito como Sankara é upadhi visesa:

srutismrutipurananam alayam karunalayam
namami bhagavatpadam sankaram lokasankaram

“Eu me inclino aos pés do Senhor na forma de
Sankara, que é uma bênção para a humanidade, que é
a residência de todos os sruti (Vedas), smrtis e puranas
e onde habita a compaixão.”

Nesta estrofe existe a afirmação de um fato: Sankara é srutismrtipurananam alayam. Um santuário ou um templo é chamado alaya. Um lugar onde alguma coisa reside é chamado alaya. Um lugar onde alguma coisa sagrada é guardada é um alaya. Os livros são considerados sagrados, portanto, a biblioteca é chamada de pustakalaya. Sankara foi um alaya – um pustakalaya. E de que tipo de livros? Sruti, os quatro Vedas, os quais chegaram até nós através dos sábios (rsis), e smrtis, que podem ser considerados como  obras nascidas da mente humana; eles são uma extensão das afirmações das srutis, escritas por pessoas que tinham status similares aos dos sábios, tais como Parasara, Apastambha, Bodhayana, etc. Eles tinham conhecimento sobre rituais, valores, dharma, etc. Todo o dharma sastra veio através dos smrtis. Finalmente, o purana, onde as incarnações do Senhor (de Bhagavan) são narradas. Todos esses – sruti, smrtis e o purana – estão localizados no santuário (alayam) que é Sankara.  

Suponhamos que Sankara, com todo esse conhecimento, fosse um maunibaba (uma pessoa com o compromisso de manter silêncio). O que aconteceria? Naturalmente, alguns devotos estariam lá, porque os maunibabas são sempre respeitados na Índia. Mas, não haveria nada de valor para ser transmitido até nós. Felizmente, Sankara era um karunalayam – ele tinha uma compaixão que fluía sob a forma de ensinamento. Nós celebramos seu Jayanti por causa de sua compaixão.

Sankara não apenas ensinou aos discípulos que estavam ao seu redor, mas também se certificou de que o ensinamento seria transmitido para a posteridade através de seus escritos. Naquele tempo a escrita não era tarefa fácil. Era feita à mão, sobre folhas de palmeira. Centenas de manuscritos desse tipo foram feitos, incluindo comentários extensos (bhasyas) sobre as Upanisads – Chandogya, Brhadaranyaka, Isa, Kena, Prasna, Mundaka, Mandukya, Taittriya e Aitareya, e, ainda sobre Brahma Sutra. Todos esses comentários foram escritos para incluir objeções e argumentos, e, então, o desdobramento do tema principal. 

Ao escrever os comentários, você tem que comunicar o significado real do assunto. Depois, você deve protege-lo de outros possíveis significados que possam ser dados por pessoas comprometidas com outras escolas de pensamento diferentes. Essas escolas de pensamento diferentes provêm apenas de diferentes tipos de erros que as pessoas cometem. Não existem diferentes escolas de pensamento em matemática ou física. Da mesma forma, em matéria da realidade que é o Senhor (Isvara) não pode haver “escolas de pensamento”. Dizem que pode haver diferentes pontos de vista. Podem haver pontos de vista somente quando a vista é completa. Quando não há visão, não podem haver pontos de vista. Não há meio de conciliação entre o efetivamente correto e o efetivamente incorreto. A pessoa tem liberdade de manter uma idéia errônea. Mas os outros não tem que aceita-la por causa do carisma dessa pessoa.

A compaixão para com a evolução espiritual da humanidade fez Sankara escrever todos esses livros. Portanto, ele é chamado karunalayam. Ele também se chama Sankara, não somente por ser seu nome, mas também por sua qualidade: sam-karoti iti sankarah. Ele proporciona mangalam, bondade, que é o “grand finale” (moksa) para o jiva. Ele é apreciado por Bhagavan: Bhagavatpada Sankara. Para este Sankara nossas reverencias. Observe que não há qualquer alusão a milagres neste verso.

Sankara e a tradição de ensinamento – Sampradaya


Sankaram sankaracaryam kesavam badarayanam
sutrabhasyakrtau vande bhagavantau punah punah

“Saudações de novo e de novo ao Senhor Siva na
forma de Sankara e ao Senhor Visnu na forma de Vyasa
por terem criado os sutras e os bhasyas.”


Um assunto é o sutra-krt; outro é o bashya-krt. Vyasa escreveu os sutras. Sankara escreveu os bashya sobre os sutras. Assim, tem havido uma tradição (sampradaya). Todos os mestres basearam sua filosofia e suas validações a partir dos sruti porque a tradição está disponível na forma escrita e vem sendo mantida pela linhagem de mestres (parampara). Observe que o método de ensino é apresentado em seu comentário. Esse método não está nas Upanisads nem na Bhagavadgita. Como se deve ensinar? Como deve-se lidar com determinado tópico? Como uma determinada palavra deve ser desdobrada? Como saber exatamente o que a sruti quer dizer? Para isto, você requer uma tradição. Sankara diz que a pessoa deve conhecer a tradição de ensinamento (sampradaya-vit) . Para que possamos aprender, precisamos da sampardaya-vit do mestre. Sendo o criador da tradição de ensinamento (sampradaya-krt), bem como um conhecedor da tradição de ensinamento (sampradaya-vit), Sankara é, evidentemente, este mestre. Sankara é considerado um elo luminoso na tradição, desde Vyasa até nosso mestre atual.

A sruti é a fonte de conhecimento que derruba as diferenças e, ao mesmo tempo,  acomoda as diferenças. Acomodando todas as diferenças, ele ajuda você a superar suas conclusões erradas. Esta atitude só é possível quando você sabe que a verdade está além de tudo isto e que ela acomoda as diferenças. Não se trata de uma acomodação com atitude complacente. Por isto Sankara é uma bênção para a humanidade, hoje envolvida em batalhas devido a problemas de diferenças. A esse Sankara nossas saudações de novo e de novo.

Anaikati, Índia
Maio de 1995          

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