Sri Shankara
por Sri Swami Dayananda
No Guru Stotram que cantamos, o guru é reverenciado
na forma daquilo mesmo (vastu) que ele ensina:
akhandamandalakaram vyaptam yena
caracaram
tatpadam darsitam yena tasmai
srigurave namah
“Saudações àquele guru que me mostrou onde está
aquele que é para ser conhecido, cuja forma é a
do universo inteiro, e que permeia tudo o que
se move ou que não se move.”
gurubrahma guruvishnuh gurudevo
mahesvarah
gurureva param Brahma tasmai
sriguraqve namah
“Saudações àquele guru que é o criador,
aquele que sustenta, e o destruidor e aquele
que é
verdadeiramente, o ilimitado Brahman.”
Sri Dakshinamurti com os rishis e Sri Shankara com seus 4 discípulos |
Sankara como Isvara
Falar sobre Sankara é desdobrar o que é Isvara, o Senhor. Nós não
vemos Sankara como um indivíduo. Na verdade, nós não vemos nenhum mestre como
um indivíduo. Mas, se ele é visto como Deus, como pode haver Jayanti (a
celebração de seu aniversário)?
Consideremos o Senhor (Isvara) na forma de uma encarnação (avatara)
tal como Rama e Krsna. As encarnações vieram em determinado tempo. Elas estão
ainda disponíveis para serem reverenciadas como sendo o Senhor. Cada forma é,
sem dúvida, a forma do Senhor. Mas o Senhor na forma de Krsna é alguém com quem
eu posso me relacionar e aos pés de quem eu posso oferecer minha devoção. Na Bhagavadgita,
quando Krsna usa a primeira pessoa do singular, é apenas no sentido de ser ele
o Senhor. O Senhor que é ilimitado (vastu), tomando esta forma se torna uma
encarnação. Do ponto de vista da forma, existe uma data de nascimento – e um
aniversário. É por isto que celebramos Rama Navami e Krsna Jayanti, e Sankara
Jayanti.
Um guru é sempre visto como aquilo que ele ensina. Esta é a diferença
entre o que Sankara ensinou e o que outros professores ensinam. Se um professor
ensina que o Senhor é o Senhor, que o mundo é o mundo, e que você é o que você
é, o que isto faará você sentir? Antes que você fosse até aquele professor,
você já pensava que fosse assim. Depois de ouvir o professor ensinar as
Upanisads, você volta com os mesmos sentimentos! Você vai concluir, com
certeza, que o professor não pode ser o vastu, pois ele ensina que o vastu
é diferente de você e dele.
Sankara como Upadhi Visesa
Existem muitas pessoas iluminadas no mundo, além de Vyasa, que compilou
todos os Vedas e escreveu o Brahma Sutra, e Sankara, que tornou o conhecimento
disponível para as pessoas comuns. Por que, então, nós reverenciamos apenas
Vyasa e Sankara, e não outros? Existem
outros professores ensinando que “Você não é separado do vastu”, o que
há, portanto, de tão especial em Vyasa e Sankara? Eles são lembrados porque
fizeram uma significativa contribuição para as gerações futuras. São, por isto,
pessoas muito especiais. Isto é upadhi vivesa.
Upadhi vivesa pode
também significar que aquela pessoa, em particular, tem alguma característica
especial, ou que aquela pessoa tem uma capacidade que é miraculosa. A tradição
hindu não dá grande valor a milagres. Demônios (asuras), assim como
deuses (devas) tinham poderes miraculosos. Os demônios eram capazes de
viajar no escuro (nisacaras) e capazes de voar (khecaras). Isto
também é chamado upadhi visesa, mas não é isto que lhes faz merecedores
de respeito.
Pessoas de conhecimento medíocre podem avaliar um homem como sendo um
grande homem apenas por sua capacidade de operar milagres. Alguns irão
enaltecer a estória de Sankara compondo o Kanakadhara Stotra, que fêz
cair uma chuva de moedas de ouro sobre uma mulher pobre que lhe deu uma amora
quando ele foi à sua casa pedir esmola. Mas quando veneramos Sankara, não é por
causa desses milagres. Em um verso simples que recitamos freqüentemente em
homenagem a Sankara é descrito como Sankara é upadhi visesa:
srutismrutipurananam alayam karunalayam
namami bhagavatpadam sankaram lokasankaram
“Eu me inclino aos pés do Senhor na forma de
Sankara, que é uma bênção para a humanidade,
que é
a residência de todos os sruti (Vedas),
smrtis e puranas
e onde habita a compaixão.”
Nesta estrofe existe a afirmação de um fato: Sankara é srutismrtipurananam
alayam. Um santuário ou um templo é chamado alaya. Um lugar onde
alguma coisa reside é chamado alaya. Um lugar onde alguma coisa sagrada
é guardada é um alaya. Os livros são considerados sagrados, portanto, a
biblioteca é chamada de pustakalaya. Sankara foi um alaya – um pustakalaya.
E de que tipo de livros? Sruti, os quatro Vedas, os quais chegaram até
nós através dos sábios (rsis), e smrtis, que podem ser
considerados como obras nascidas da
mente humana; eles são uma extensão das afirmações das srutis, escritas
por pessoas que tinham status similares aos dos sábios, tais como Parasara,
Apastambha, Bodhayana, etc. Eles tinham conhecimento sobre rituais, valores, dharma,
etc. Todo o dharma sastra veio através dos smrtis. Finalmente, o purana,
onde as incarnações do Senhor (de Bhagavan) são narradas. Todos esses – sruti,
smrtis e o purana – estão localizados no santuário (alayam)
que é Sankara.
Suponhamos que Sankara, com todo esse conhecimento, fosse um maunibaba
(uma pessoa com o compromisso de manter silêncio). O que aconteceria?
Naturalmente, alguns devotos estariam lá, porque os maunibabas são sempre
respeitados na Índia. Mas, não haveria nada de valor para ser transmitido até
nós. Felizmente, Sankara era um karunalayam – ele tinha uma compaixão
que fluía sob a forma de ensinamento. Nós celebramos seu Jayanti por causa de
sua compaixão.
Sankara não apenas ensinou aos discípulos que estavam ao seu redor, mas
também se certificou de que o ensinamento seria transmitido para a posteridade
através de seus escritos. Naquele tempo a escrita não era tarefa fácil. Era
feita à mão, sobre folhas de palmeira. Centenas de manuscritos desse tipo foram
feitos, incluindo comentários extensos (bhasyas) sobre as Upanisads – Chandogya,
Brhadaranyaka, Isa, Kena, Prasna, Mundaka, Mandukya, Taittriya e Aitareya,
e, ainda sobre Brahma Sutra. Todos esses comentários foram escritos para
incluir objeções e argumentos, e, então, o desdobramento do tema
principal.
Ao escrever os comentários, você tem que comunicar o significado real do
assunto. Depois, você deve protege-lo de outros possíveis significados que
possam ser dados por pessoas comprometidas com outras escolas de pensamento
diferentes. Essas escolas de pensamento diferentes provêm apenas de diferentes
tipos de erros que as pessoas cometem. Não existem diferentes escolas de
pensamento em matemática ou física. Da mesma forma, em matéria da realidade que
é o Senhor (Isvara) não pode haver “escolas de pensamento”. Dizem que
pode haver diferentes pontos de vista. Podem haver pontos de vista somente
quando a vista é completa. Quando não há visão, não podem haver pontos de
vista. Não há meio de conciliação entre o efetivamente correto e o efetivamente
incorreto. A pessoa tem liberdade de manter uma idéia errônea. Mas os outros
não tem que aceita-la por causa do carisma dessa pessoa.
A compaixão para com a evolução espiritual da humanidade fez Sankara
escrever todos esses livros. Portanto, ele é chamado karunalayam. Ele
também se chama Sankara, não somente por ser seu nome, mas também por sua
qualidade: sam-karoti iti sankarah. Ele proporciona mangalam, bondade,
que é o “grand finale” (moksa) para o jiva. Ele é apreciado por Bhagavan:
Bhagavatpada Sankara. Para este Sankara nossas reverencias. Observe que não
há qualquer alusão a milagres neste verso.
Sankara e a tradição de ensinamento – Sampradaya
Sankaram sankaracaryam kesavam badarayanam
sutrabhasyakrtau vande bhagavantau punah punah
“Saudações de novo e de novo ao Senhor Siva na
forma de Sankara e ao Senhor Visnu na forma de
Vyasa
por terem criado os sutras e os bhasyas.”
Um assunto é o sutra-krt; outro é o bashya-krt. Vyasa
escreveu os sutras. Sankara escreveu os bashya sobre os sutras.
Assim, tem havido uma tradição (sampradaya). Todos os mestres basearam
sua filosofia e suas validações a partir dos sruti porque a tradição
está disponível na forma escrita e vem sendo mantida pela linhagem de mestres (parampara).
Observe que o método de ensino é apresentado em seu comentário. Esse método não
está nas Upanisads nem na Bhagavadgita. Como se deve ensinar? Como
deve-se lidar com determinado tópico? Como uma determinada palavra deve ser
desdobrada? Como saber exatamente o que a sruti quer dizer? Para isto,
você requer uma tradição. Sankara diz que a pessoa deve conhecer a tradição de
ensinamento (sampradaya-vit) . Para que possamos aprender, precisamos da
sampardaya-vit do mestre. Sendo o criador da tradição de ensinamento (sampradaya-krt),
bem como um conhecedor da tradição de ensinamento (sampradaya-vit),
Sankara é, evidentemente, este mestre. Sankara é considerado um elo luminoso na
tradição, desde Vyasa até nosso mestre atual.
A sruti é a fonte de conhecimento que derruba as diferenças e, ao
mesmo tempo, acomoda as diferenças.
Acomodando todas as diferenças, ele ajuda você a superar suas conclusões
erradas. Esta atitude só é possível quando você sabe que a verdade está além de
tudo isto e que ela acomoda as diferenças. Não se trata de uma acomodação com
atitude complacente. Por isto Sankara é uma bênção para a humanidade, hoje
envolvida em batalhas devido a problemas de diferenças. A esse Sankara nossas
saudações de novo e de novo.
Anaikati, Índia
Maio de 1995
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